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Lei Maria da Penha 10 anos: o que mudou?

Publicado em 05/08/2016 20:03:20

A Lei Maria da Penha completa nesse mês de agosto, 10 anos de criação. Para falar dessa data importante, que é um grande marco no combate a violência contra a mulher, o Portal da Facema conversou com a professora da Facema e também juíza da 5ª Vara Criminal de Caxias, Marcela Santana Lobo.
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Portal: Dra. Marcela Lobo, como a Sra. avalia os 10 anos da Lei Maria da Penha?

Dra. Marcela Lobo: Esse mês de agosto de 2016, a Lei Maria da Penha completa seu primeiro decênio, um momento importante para a reflexão à respeito de que benefícios a lei trouxe, se conseguiu alcançar o público que ela pretendia, quais são as medidas que o poder público pretende ou deve implementar para que a lei possa efetivamente ser plenamente concretizada. Então, avalio pelo menos na perspectiva de acesso a população, que aumentou a informação que a sociedade tem a respeito dos direitos e deveres dentro de uma relação conjugal e a respeito da possibilidade de punição, e também a respeito da possibilidade que a mulher tem junto ao poder judiciário e as polícias uma proteção diferenciada sempre que se encontrar em uma situação de vitimização, seja pela violência física, psicológica, sexual, patrimonial, então ela encontra já ali a possibilidade de um acesso maior. Mas é claro que a lei, está longe de alcançar seu potencial máximo, ainda há uma necessidade de que o poder público tenha uma atenção diferenciada, especialmente ao que concerne a ampliação da delegacia da mulher, a treinamentos de policiais tantos de civis como militares ao tratamento da mulher, naquele primeiro momento, afim de evitar a revitimização  e aumento das formas de cuidado e de tratamento da mulher, para que possa se reintegrar a sociedade e poder até alcançar o nível de liberdade maior quando ela rompe uma relação abusiva.  

Portal: Dra. Marcela Lobo, em sua opinião, quais os impactos que a Lei tem na vida da mulher?

Dra. Marcela Lobo: Quando se pensa na lei de uma forma isolada, um instrumento normativo por si só, não impacta tanto na vida de nenhum cidadão, o que impacta, são as políticas que são geradas a partir da concretização da lei. Quando vejo a Lei Maria da Penha, eu vejo diferente. Primeiro, propiciou a criação das delegacias da mulher, 10 anos atrás nós não tínhamos esse serviço, hoje nós temos locais diferenciados onde a mulher pode buscar apoio, são locais que tem um ambiente diferente do serviço policial normal e onde a mulher vai encontrar um tipo de proteção maior, pessoas adequadamente treinadas para colher o seu depoimento e poder ali processar a sua demanda. Um segundo ponto, foi a criação de varas especializadas para o tratamento das questões envolvendo violência domésticas, e já existem em algumas cidades, juizados da mulher que tratam de questões relativas a situação da mulher vitima de violência doméstica e intrafamiliar, assim como existem varas criminais voltadas especialmente ao tratamento dessas demandas, então nessas duas perspectivas políticas públicas foram criadas e geradas para o atendimento da mulher, a Lei trouxe essa vantagem de destacar a necessidade que o poder público tem de pensar um tratamento diferenciado para esse segmento, e poder  estabelecer políticas que realmente tragam a discussão das raízes e origens da violência doméstica, afim de que se possa efetivamente combater, educar as pessoas, incentivar o diálogo e assim diminuir os índices alarmantes de violência que ainda existem no nosso país.

Portal: Dra. Marcela Lobo, para a Sra. quais os benefícios que a criação da Lei proporcionou a mulher?

Dra. Marcela Lobo: Em relação a benefícios, podemos enxergar duas situações diferenciadas. Primeira a de tornar a legislação mais rigorosa, antigamente a mulher e o homem, dentro de uma relação familiar, tinha uma discussão e o homem era beneficiado por uma série de distintos despenalizadores,  que permitiam que não cumprisse pena, que não fosse responsabilizado pelo ato. Hoje a situação é diferente, o tratamento é mais rigoroso, embora ainda não idealmente rigoroso. Segundo ponto foi a criação de propagandas e publicidades de sistema de educação, voltadas a discussão da violência doméstica. Se antes as pessoas ignoravam e acreditavam que isso era parte mesmo da relação, que deveria ser dessa forma, hoje as pessoas já enxergam, que a relação deve ser pautada no respeito, no amor, no companheirismo, e já entendem que relações abusivas não fazem parte do espectro de normalidade, que aquilo ali precisa de uma punição especifica pela lei.

Portal: Dra. Marcela Lobo, em sua opinião, qual a interferência da Lei na relação atual homem e mulher?

Dra. Marcela Lobo: Acredito que em relação a interferência, pode se apontar especialmente a conscientização popular,  porque essa é uma lei que caiu na boca do povo, por assim dizer, as pessoas conhecem a lei, sabem que ela existe,  podem criticar. Pode não ser o ideal, e de fato assim como qualquer instrumento normativo pode melhorar, mas já conhecem e sabem que podem buscar, já ousam a sistematização da lei, que é vista como uma “coisa” positiva, tem um apelo, caráter positivo dentro da sociedade, embora muitos homens  não entendam dessa maneira, mas as mulheres já entendem e se identificam com a perspectiva da lei, com a proposta legislativa, então nisso acredito que as relações vão ser cada vez mais moduladas com mais cuidado, afeto, respeito, por uma sistemática diferente. A lei permitiu que nós possamos discutir mais o papel da mulher dentro da sociedade, da família, das relações de trabalho e a partir disso construir uma perspectiva diferente, mais coerente com a igualdade de gênero, que é exatamente isso, que a Lei Maria da Penha tenta trazer, criando mecanismos de proteção da mulher.

Portal: Dra. Marcela Lobo, quais as vantagens e desvantagens que a Lei trouxe para a relação?

Dra. Marcela Lobo: Sinceramente na perspectiva de mulher e de juíza só vejo vantagens, não consigo enxergar desvantagens, a lei traz a discussão como qual o papel da mulher na sociedade, o que se quer construir na posição dessa mulher, e o que a lei quer é justamente erradicar a violência doméstica. O Brasil assinou diversos tratados de Direitos Humanos voltados a erradicação da violência contra a mulher, então a lei é um reflexo desse sistema de proteção internacional e traz pra dentro do nosso ordenamento jurídico uma sistemática que existe no mundo inteiro. A Lei tenta trazer isso, a discussão, o que é extremamente positivo, não criminaliza nada, traz apenas instrumentos de proteção e tira a possibilidade de se usar alguns institutos que eram utilizados de forma favorável ao agressor, então hoje, o agressor responde de forma mais menos tutelada, menos protegida, mas isso não significa que ele vai ser punido necessariamente com uma reclusão, com uma cadeia, na verdade, a própria ideia da sistemática da Lei Maria da Penha é de permitir que o próprio agressor seja reabilitado, que haja sistema educativo onde ele possa se conscientizar a respeito do que fez e mude seu comportamento, porque afinal de contas a violência doméstica existe dentro de uma relação que normalmente se perpetua e por isso a Lei tenta trazer esses elementos para que possa remodelar essa relação e a violência possa de fato ser erradicada.   

Portal: Dra. Marcela Lobo, como a Sra. avalia o impacto da Lei na sociedade Caxiense?

Dra. Marcela Lobo: A minha vara tem uma competência que é exclusivamente criminal, não lidamos com questões de família, as questões que são trazidas a 5ª vara de Caxias, que foi criada e instituída a partir de 2012, são relativas a prática de crimes, em regra lesão corporal e ameaça que são os crimes mais frequentes envolvendo relações familiares, intrafamiliares, eu observo que as mulheres passaram a ter mais consciência da necessidade de procurar o sistema de proteção, a delegacia de policia, o poder judiciário, e a medida que nós tentamos desenvolver um trabalho da realização das audiências, de concessão de medidas protetivas, isso reforça a confiança do cidadão no sistema de justiça, entendendo que aquilo realmente funciona e que a pessoa pode procurar e vai ter uma resposta aquela demanda,  e a partir do momento que procuramos escutar também as pessoas envolvidas, porque esse não é um sistema que visa proteger exclusivamente a vítima, tenta escutar também a pessoa que é apontada como agressor, e isso gera confiança de que você vai tomar a decisão correta, então assim a partir da criação da vara até agora, acredito que isso tenha crescido dentro da sociedade caxiense, que é de enxergar que o poder judiciário tem dado um tratamento diferenciado as questões criminais envolvendo a violência doméstica, e a partir disso construir uma nova cultura de respeito, da valorização da mulher dentro da família, dentro das relações afetivas.


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